"A realidade é muito mais interessante do que viver feliz para sempre."





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dezembro 14, 2009

O roubador do Verão

Há dias fui à procura do roubador do Verão.
Tinha os músculos empedernidos e a certeza de que o sangue se me congelara nas veias. Receava mesmo que, fosse eu distrair-me uma vez só e a ponta do nariz caía-me aos pés. Mesmo assim avancei determinada serra do Caldeirão acima, onde, disseram-me, ele costuma acoitar-se por alturas de Dezembro. Normalmente demora uns quantos dias a empacotar a estação dentro dos velhos baús de madeira, avisaram-me, porque sempre tem para domar uns cinco ou seis meses de temperaturas perigosamente atraídas por uma bipolaridade cada vez mais crónica, graus inflamados por uma vaga de fenómenos com tendências extremistas, atmosferas carregadas de fascínio pelos míticos ares secos vindos lá do Norte d’África, ventos irascíveis que remoinham muito bem por onde lhes apetece e umas quantas chuvas eternamente vacilantes que escorregam como enguias acabadas de sair do mar. Enfim, não é fácil…
Encontrei-o sentado num montinho de terra enlameada, rodeado por troncos de árvores enrugadas, de onde pendiam galhos entristecidos pela saudade das folhas. No chão rareavam já as moitas verdes onde até há bem pouco tempo dançavam deliciosos cálices de pétalas coloridas. Um deserto de calor…
- Hei, chamei-o. És tu o roubador do Verão?
Ele olhou-me de soslaio sem esboçar um leve cumprimento que fosse. Parecia estar a descansar e reparei que tinha, presas aos dedos, três malas forradas a xadrez escocês trancadas a cadeado. Então e o raio dos baús? pensei um bocado confusa.
- Fazes o favor de soltar o Verão e desaparecer daqui de uma vez por todas? gritei-lhe, dando à voz enrouquecida pelo frio a força que faltava ao débil argumento. Não me preparara lá muito bem para o confronto com o miserável das estepes e contrariando a lógica que está sempre presente nestas ocasiões, senti as faces enrubescerem como se lhes tivessem ateado fogo, não sei bem se o da raiva ou o da vergonha.
O estúpido atacou-me então com um sorriso trocista por cima do ombro. Atirei-lhe logo uma pedra, como fazemos aos cães quando os queremos a fugir para longe com o rabo entre as pernas, mas em vez de lhe acertar, ficou-lhe a três centímetros da testa, suspensa no ar.
-És parva ou quê?
Embaraçada com o fiasco da pedrada demorei-me na resposta. E ele, aproveitando-se do meu estado titubeante, flectiu à traição os joelhos para ganhar balanço e partiu em linha recta na direcção do céu, mas não sem antes traçar um voo rasante por cima da minha cabeça, o que provocou uma deslocação de ar tão forte que me arrancou a ponta do nariz. Não acredito...
Desci a serra amuada. E também sem conseguir respirar lá muito bem.
Da próxima vez que o encontrar ele vai ver!

2 comentários:

  1. Ouvi dizer que desde essa pedrada, apesar de pouco precisa, o roubador do Verão abandonou a serra algarvia, estando agora escondido num rochedo à beira-mar... será?

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  2. Se o encontrares dá-lhe um beijo. Afinal parece que é pelo amor que se deixa seduzir...Depois aproveita e pede-lhe o Verão e o meu nariz de volta. Antes que a gente morra de tanto frio:))))

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